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Formação Permanente e Assessoria

Como compreendemos a Missão

A palavra “missão” expressa tudo o que a Igreja faz e proclama no mundo. A própria liturgia já é ação missionária, pois nela estamos constantemente anunciando o amor de Deus e sua atividade transformadora; através da Liturgia denunciamos as injustiças dos reinos deste mundo e anunciamos a possibilidade da transformação pessoal e social.

Tudo isso que fazemos e proclamamos é um reflexo do fato de termos sido alcançados pela graça e o amor de Deus. É expressão do que declaramos na oração eucarística: que, em Cristo, “tu nos libertaste do mal e nos fizeste dignos de estar diante de Ti; nele tu nos conduziste do erro para a verdade, do pecado para a retidão e da morte para a vida” (LOC pg. 75).

Se a compreensão que temos de nós mesmos enquanto parte do povo de Deus nos faz declarar isso, então o que entendemos por “missão” é reflexo e resposta a uma atividade constante de Deus na história e no mundo. É assim que entendemos a expressão “missio Dei” (missão de Deus) – Deus sempre esteve em atividade no mundo, revelando sua bondade e amor na criação, na chamada de Israel para ser um povo diferenciado que mostrasse a possibilidade de uma sociedade transformada e fraterna; na poderosa palavra profética capaz de denunciar os erros e apontar as possibilidades, sempre nutrindo a esperança e, acima de tudo, na encarnação do verbo, nosso Senhor Jesus Cristo (cf. LOC pg. 75). Durante a liturgia declaramos tudo isso, mas falta-nos a motivação para compreender que essas poderosas declarações são profundas expressões de fé e se a levarmos a sério, terão enorme poder renovador e motivador para nossas ações.

As Igrejas da Comunhão Anglicana tem afirmado que essa resposta à contínua ação transformadora de Deus, se expressa de diversas maneiras: através da proclamação das boas novas do Reino de Deus; na atividade de ensinar, batizar e nutrir as pessoas que aceitam essa proclamação e pautam sua vida por esses princípios; na resposta às necessidades humanas através de um serviço diaconal amoroso; na transformação das estruturas injustas da sociedade; no zelo pela integridade da criação e no trabalho com vistas à construção de uma cultura de paz, reconciliação e resolução de conflitos. Essas são as “marcas” (ou ênfases) da compreensão missionária das Igrejas da Comunhão Anglicana.

Precisamos crescer numericamente

É evidente que todas essas ações podem ser feitas individualmente. Mas nós sempre priorizamos as ações conjuntas e comunitárias, porque seu alcance certamente é muito maior. É preciso reconhecer, porém, a necessidade de se enfatizar as duas primeiras marcas (proclamação através do anúncio da Palavra através de testemunhos, convites, sermões, homilias, etc) e a constante atividade de educar e nutrir as pessoas que aderem à proclamação. Sem a devida atenção à proclamação da Palavra e ao testemunho, dificilmente teremos “novos crentes” a quem batizar, ensinar e nutrir. A conseqüência óbvia é que todas as demais “marcas da missão” estarão prejudicadas por um motivo muito simples: falta de adesão e compromisso e poucas pessoas sempre envolvidas com os velhos problemas de manutenção de nossas estruturas. É preciso, portanto, reconhecer que estamos em um momento que nos chama urgentemente à atividade da proclamação visando a conversão e adesão de novas pessoas às nossas comunidades.

Naturalmente, não se trata de uma proclamação irresponsável disposta a “negociar” nossos princípios simplesmente para alcançar crescimento numérico, mas essa preocupação é muito importante e deveria estar na ordem das prioridades de nossas comunidades. Infelizmente, essa motivação parece estar a cada dia se extinguindo mais em nossas igrejas. Não podemos nos dar ao luxo de, simplesmente, abrir as portas do templo aos domingos e esperar que outras pessoas adentrem e passem a fazer parte de nosso grupo. Esse privilégio é mais próprio da Igreja Católica Romana que, já tendo um capital simbólico acumulado em nossa cultura, basta abrir, em qualquer cidade do Brasil, uma Capela e anunciar o horário das missas e novenas, que logo estará cheia de gente. Nosso caso é diferente. Precisamos aprender novamente a ser “pescadores” de pessoas, aproveitando todas as oportunidades possíveis. Além disso, sempre é preciso considerar que, às vezes precisamos trabalhar pacientemente com vinte ou trinta pessoas para conseguirmos ao menos uma nova pessoa realmente comprometida e fiel aos princípios anglicanos e que some-se a nós na missão, na colaboração, no testemunho e na sustentação da Igreja.

Infelizmente vivemos uma época em que nos falta a motivação do “primeiro amor”, aquela paixão capaz de nos fazer renunciar às comodidades, ao tempo livre e à falta de compromisso, com vistas a ideais maiores. A base desse problema parece residir no baixo cultivo de nossa espiritualidade, que não pode viver apenas do culto litúrgico dominical. Somente a prática constante da oração, do louvor, do estudo bíblico, da reflexão sobre as Escrituras e o julgamento que ela traz ao nosso mundo, serão capaz de nos motivar a viver uma nova paixão missionária.

Conforme os relatos do livro de Atos dos Apóstolos, os primeiros cristãos nunca desprezaram as oportunidades, mesmo em épocas difíceis. Para compreender essa dinâmica, sugerimos a leitura de alguns capítulos do livreto “Nossa Missão” (CEA, 2008). Ali há breves estudos sobre as iniciativas de Paulo, suas viagens missionárias, as dificuldades e obstáculos (teológicos, culturais, sociais, etc), e as estratégias e métodos evangelísticos empregadas pelos primeiros cristãos.

Um testemunho pessoal 

Após alguns anos envolvido em atividades burocráticas e administrativas da Igreja (coordenação de eventos cursos e publicações) o Espírito Santo começou a cobrar e reavivar minha vocação e o desejo original que me levaram a cursar o seminário quando jovem: colaborar com a missão de Deus animando e nutrindo comunidades na condição de pastor ou padre. Essa paixão nos levou a uma atividade missionária das mais difíceis – iniciar uma nova comunidade fiel às tradições episcopais-anglicanas em uma cidade que nunca teve qualquer contato com nossa Igreja. Não sabíamos como iniciar, mas confiamos em Deus e no interesse de diversos irmãos e irmãs de outras cidades do Brasil que colaboraram inicialmente para que montássemos uma pequena capela. Não sabíamos quem seria nosso “público-alvo” e investimos em uma parcela da população que, embora tenha sua própria tradição religiosa, vive hoje indefinida e sem vínculos diretos com qualquer Paróquia da Igreja Romana ou com qualquer igreja evangélica. Nosso propósito era alcançar pessoas desconfiadas e machucadas, que trazem feridas de experiências mal-sucedidas com a Igreja Católica Romana ou com as igrejas evangélicas e que, embora sejam cristãs, não têem o desejo de retornar a viver sua fé em alguma dessas igrejas. Muitas dessas pessoas foram excluídas, discriminadas, incompreendidas ou exploradas financeira e emocionalmente, mas desejariam reviver a experiência cristã em uma comunidade fraterna e amorosa, capaz de orientá-las espiritualmente e acompanhá-las pastoralmente.

Logo percebemos a importância de investir nas novas tecnologias, especialmente a internet (email, site, blog e “redes sociais”). Muitas pessoas hoje em Campo Grande conhecem a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil devido ao investimento inicial nessas tecnologias. É certo que nem todas as pessoas que visitaram nossos cultos estão conosco, mas algumas ficaram e já foram confirmadas.

Também percebemos a importância do cultivo de amizades em ambientes alternativos, pouco freqüentados por pastores e padres, tais como bares e lanchonetes onde se reúnem músicos e artistas, exposições, centros culturais, círculos universitários e associações. Aos poucos algumas das pessoas com quem fizemos amizade aceitaram o convite de participar de algumas celebrações e também ficaram conosco, sendo confirmadas ou recebidas na Comunhão Anglicana e hoje estão no momento da “segunda marca” da missão: estão sendo ensinadas e nutridas para se tornarem novos agentes missionários. Temos aprendido no trabalho missionário que muitas vezes nos falta algo básico e que pode ser feito por qualquer membro da Igreja: simplesmente convidar alguém a participar de nossas atividades. Temos desafiado constantemente os membros da comunidade anglicana em Campo Grande a convidar outras pessoas através da seguinte ilustração:

            Um homem sempre convidava seu amigo a pescar. O amigo, porém, recusava dizendo: “no domingo não posso, pois tenho que ir à Igreja”. Esses convites se sucediam por semanas, sempre sendo recusados pelo amigo que era fiel freqüentador de uma de nossas igrejas. Um dia, o amigo que o convidava, disse: “sua igreja deve ser muito ruim, não é?”. O outro respondeu, chateado: ‘não, minha igreja é muito boa”. O amigo que o convidava respondeu: “acho que não, pois eu sempre o convido a pescar, porque pescar é bom e quero compartilhar esse momento contigo, mas você... nunca me convidou a visitar sua Igreja”.

Muitas vezes é só isso que algumas pessoas precisam e esperam: um convite a viver conosco a experiência da fé, da amizade, da partilha e da comunhão. Se não formos capazes sequer de convidar alguém a apenas “conhecer” nossa experiência de fé, dificilmente teremos novos fieis dispostos a partilhar conosco a totalidade da missão de Deus, e quanto menores formos numericamente, mais pesados serão os fardos e as responsabilidades, tornando a ação missionária um “peso” e não a alegria que deveria ser.

Revdo. Carlos Eduardo Calvani

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